Razões da afinidade entre os grupos protestantes e a democracia no Brasil; Razones de la afinidad entre los grupos protestantes y la democracia en el Brasil

Le Monde Diplomatique. Brasil.

O Brasil está entrando em um novo ciclo eleitoral com o escrutínio marcado para outubro de 2022. Em 2018, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu mobilizar o eleitorado protestante, sendo que este grupo representa hoje aproximadamente 30% da população brasileira. Outros candidatos buscam também o apoio deste segmento, como é o caso do ex-presidente Lula. O contraste com os católicos é marcante, uma vez que simplesmente não são reconhecidos como um grupo politicamente relevante. O fenômeno não é meramente circunstancial, mas evidencia uma característica essencial da modernidade de um modo geral e da democracia mais especificamente.  

O caráter comum do protestantismo está em sua concepção de liberdade como independência e autonomia. Lutero nega o livre arbítrio, ou seja, nega a capacidade de o homem ordenar seus próprios atos para que estes adquiram um valor positivo ou negativo com respeito à sua salvação. Como a salvação opera de modo totalmente independente da vontade, a pessoa não tem qualquer necessidade de obedecer à lei ou obrigação imposta de modo heteronômico (Juan Antonio Widow). Portanto, a vontade se transforma na medida de si mesma. Todo exercício da vontade é bom e qualquer impedimento ao seu exercício é mau (Danilo Castellano). Eis o voluntarismo próprio da doutrina protestante.

No âmbito social, essa noção voluntarista permitirá uma nova concepção da Igreja, que dependerá do querer de seus membros para ser fundada, para definir seu fim e, até mesmo, determinar sua natureza. A Igreja passa a ser uma mera associação civil como qualquer outra. Esse caráter fundamentalmente contratual reflete o contratualismo no cerne da compreensão moderna de estado e, depois, invocando a soberania popular, a conversão da democracia em única fonte de legitimidade (Miguel Ayuso). Neste contexto, não causa surpresa que os grupos protestantes tenham se adaptado tão bem ao ambiente político contemporâneo.

O caso brasileiro não destoa. A maioria dos grupos protestantes se organiza de modo empresarial, ampliando seu campo de atuação para abranger um sofisticado complexo midiático. A Universal, apenas para citar um exemplo, controla a segunda maior emissora aberta do país, a Record; mantém uma publicação com tiragem semanal superior a 2 milhões de exemplares; além de uma grande rede de estações de rádio e uma produtora musical. Em 2003, foi fundada a Frente Parlamentar Evangélica, marcando um novo nível de organização no âmbito da política institucionalizada. Na atual legislatura, a Frente Parlamentar conta com 195 deputados federais e 8 senadores. Recentemente o presidente Bolsonaro anunciou que indicará o advogado André Mendonça para a mais alta corte do país, cumprindo sua promessa de escolher um ministro «terrivelmente evangélico».

A expansão protestante para o campo de atuação empresarial e ação política mais propriamente institucionalizada se encontra em perfeita harmonia com as ideias de Calvino. O ponto chave está na chamada segunda graça, que complementaria a eleição, fazendo com que Deus salve aos eleitos por suas obras, sendo que estas, todavia, não seriam fruto do livre arbítrio, mas, sim, do próprio Deus. A atuação política seria também uma dessas obras garantidas por Deus, tornando-as infalíveis. Calvino institui, destarte, a noção da sociedade perfeita, constituída e governada pela assembleia dos eleitos (Juan Antonio Widow).

Vê-se, portanto, que a maior desenvoltura do atuar político institucional dos grupos protestantes no Brasil não é um dado acidental, mas propriamente constitutivo do estado moderno, uma vez que a revolta protestante representa justamente uma de suas fontes.   

Cássio Frederico Gonçalves e Marinho Pereira, Círculo Cultural José Pedro Galvão de Sousa (Brasil)

 

versión en castellano

Brasil está entrando en un nuevo proceso electoral con las elecciones fijadas para octubre de 2022. En 2018, el presidente Jair Bolsonaro consiguió movilizar al electorado protestante, que representa aproximadamente el 30% de la población brasileña. Los otros candidatos también buscan el apoyo de este sector; y este es el caso del expresidente Lula. Es muy significativa la comparación con los católicos, puesto que no son reconocidos como un grupo políticamente relevante. Este fenómeno, no es meramente circunstancial, sino que manifiesta una característica esencial de la modernidad en general y de la democracia en particular.

El carácter definitorio del protestantismo está en su concepción de libertad como independencia y autonomía. Lutero niega el libre arbitrio, o sea, niega la capacidad del hombre de decidir sus propios actos para que éstos adquieran un valor positivo o negativo con respecto a su propia salvación. Como la salvación opera de modo totalmente independiente de la voluntad, la persona no necesita obedecer la ley u obligación impuesta de modo heteronómico. (Juan Antonio Widow). Por ello, la voluntad se transforma en regla de sí misma. Todo ejercicio de la voluntad es bueno y cualquier impedimento a su ejercicio es malo (Danilo Castellano). Se trata del voluntarismo propio de la doctrina protestante.

En el ámbito social, esa noción voluntarista dará paso a una nueva concepción de Iglesia, que dependerá de la voluntad de sus miembros tanto para su fundación como para definir su fin y también para determinar su naturaleza. La Iglesia pasará a ser una mera asociación civil como cualquier otra. Este carácter fundamentalmente contractual es reflejo del contractualismo en el origen de la comprensión moderna del estado, y después, invocando la soberanía popular, dará lugar a la conversión de la democracia en la única fuente de legitimidad (Miguel Ayuso). En este contexto, no sorprende que los grupos protestantes se hayan adaptado tan bien al ambiente político contemporáneo.

El caso brasileño no es diferente. La mayoría de los grupos protestantes se organiza de modo empresarial, ampliando su campo de actuación hasta alcanzar un sofisticado complejo mediático. La Universal, por citar un ejemplo, controla la segunda mayor emisora en funcionamiento en el país, la Record mantiene una publicación con una tirada semanal superior a 2 millones de ejemplares, además de una gran red de estaciones de radio y una productora musical. En 2003 se fundó el Frente Parlamentario Evangélico, marcando un nuevo nivel de organización en el ámbito de la política institucionalizada. En esta legislatura el Frente Parlamentario cuenta con 195 diputados federales y 8 senadores. Hace poco el presidente Bolsonaro anunció que propondrá al abogado André Mendonça para el tribunal supremo del país, cumpliendo así su promesa de elegir un magistrado «terriblemente evangélico».

La expansión protestante en el mundo empresarial y de la acción política propiamente institucionalizada está en perfecta armonía con las ideas de Calvino. El punto clave está en la llamada segunda gracia, que complementa la elección, haciendo que Dios salve a sus elegidos por sus obras, aunque estas no serían fruto del libre arbitrio, sino que procederían del propio Dios. La actuación política también sería una de estas obras garantizadas por Dios, lo que las convertiría en infalibles. De este modo, Calvino instituyó la noción de sociedad perfecta, constituida y gobernada por la asamblea de los elegidos (Juan Antonio Widow).          

Se observa, por tanto, que esta gran desenvoltura en la actuación político-institucional de los grupos protestantes de Brasil no es algo accidental, sino propiamente constitutivo del estado moderno, dado que la revuelta protestante representa precisamente una de sus fuentes.

Cássio Frederico Gonçalves e Marinho Pereira, Círculo Cultural José Pedro Galvão de Sousa (Brasil)